NASCIMENTO DA FREGUESIA

Nascia o ano de 1985 quando Aveiro abria as suas portas à mais jovem freguesia do aro urbano. Após uma longa e árdua caminhada, intercalada por momentos de algum desalento, emergente de condicionalismos de vária natureza, o crescente tecido humano, até então disperso administrativamente pelas freguesias de Esgueira, São Bernardo, Glória e Vera Cruz, era desanexado destes locais, aglutinando-se sob uma mesma identidade: Santa Joana.

Além de símbolo de unidade coletiva, a igreja matriz ocupa um lugar de relevo na história da criação desta comunidade. Com efeito, se, num primeiro momento, este templo simboliza a conquista da autonomia religiosa, avidamente procurada e sobremaneira justificada, o desejo de lutar pela independência administrativa começou a ganhar contornos reais a partir da sua edificação.

A história remonta aos inícios da década de 60. O índice demográfico aumentava a olhos vistos nos lugares que hoje dão corpo à freguesia de Santa Joana, o que dificultava a prestação de uma assistência religiosa condigna. A esta realidade acrescia o facto intolerável de pessoas que conviviam nas mesmas ruas pertencerem a paróquias diferentes, distribuídas pelas freguesias religiosas de Esgueira, Glória e Vera Cruz. A solução passava, pois, por agregar estas gentes numa mesma paróquia, conferindo-lhes autonomia religiosa.

Depois de diligências várias, desenvolviam-se todos os esforços para a criação da tão almejada circunscrição eclesiástica. A inexistência, porém, de uma igreja local, capaz de servir cabalmente as práticas religiosas, levou o então Bispo de Aveiro, D. Manuel de Almeida Trindade, a decretar a ereção provisória de um Vicariato, ou Reitoria Paroquial, o qual adotaria o título de Santa Joana Princesa, nome pronunciado a uma só voz.

A mudança introduzia-se lentamente, movida pela memória de Santa Joana. Todavia, o futuro ainda permanecia incerto.

Agora, todos os esforços estavam direccionados para a concretização da mais nobre aspiração colectiva, e da qual dependeria a criação definitiva da novel divisão eclesiástica: a edificação do templo paroquial.

Decidida a sua localização no lugar da Quinta do Gato, num terreno de um improvisado antigo campo de futebol, seguia-se um longo e árduo caminho que, a percorrer, exigiria o empenho incondicional de todos. Apercebendo-se de que na união se encontrava a força, os vários aglomerados populacionais deram as mãos, muniram-se de alento e, entregando-se afincadamente à tarefa a que se propuseram, organizaram as mais variadas atividades destinadas à angariação de fundos para a compra do terreno e a construção da igreja matriz. Ninguém ficava indiferente a tão digna missão, caminhando-se, consequentemente, para uma crescente compreensão mútua e um reforço do sentido comunitário das várias populações.

Numa entrevista concedida ao jornal “Comércio do Porto“, no dia da instituição do Vicariato, o reitor nomeado, Padre Adérito Rodrigues Abrantes, tecia o seguinte comentário laudatório a propósito das suas gentes: “É um povo humanamente bom, muito generoso (…) É muito brioso, fazendo sacrifícios verdadeiramente heróicos, quando se trata de alguma iniciativa para engrandecer a sua terra. O caso da igreja por que todos anseiam é um exemplo típico e se forem capazes de manter o ideal que actualmente os anima, num futuro não muito distante verão o templo edificado.”.

Com efeito, a convicção patente nas palavras do reitor não demoraria a ser confirmada.

No emblemático dia 30 de julho de 1972, data do 500º aniversário da chegada da Princesa Santa Joana à sua “pequena Lisboa”, era benzida a primeira pedra da igreja que serviria a população da jovem circunscrição canónica. A alegria deste dia memorável foi testemunhada e partilhada pela presença de várias individualidades, dentre as quais o então Presidente da Câmara Municipal de Aveiro, Dr. Artur Alves Moreira.

Decorridos apenas alguns meses, em novembro seguinte, iniciava-se a construção dos alicerces pelas mãos voluntárias da população. Mais do que a criação da estrutura que susteria a obra, esta ação conjunta perpetuava a solidez da unidade religiosa e social do aglomerado populacional envolvido. Cada pedra colocada encerrava em si a possibilidade, cada vez mais real, de ver edificado um templo que traduziria a identidade de um povo unido sob a égide de Santa Joana.

Entregue a empreitada, crescia a passos largos a obra que dava corpo ao projeto elaborado pelo conceituado arquiteto Luís Cunha, e aprovado pela Comissão Diocesana de Arte Sacra, em abril de 1972.

Após um longo período de dedicação e de entrega, intercalado por superáveis momentos de algum esmorecimento, eis que nasce a tão almejada obra, fecunda exterior e interiormente em motivos alusivos à vida da eminente Princesa Santa Joana. Inaugurada solenemente em 19 de setembro de 1976, este dia de júbilo ficaria marcado pela bênção litúrgica e pela tomada de posse do seu primeiro pároco, Padre Adérito Rodrigues Abrantes, cuja missa inaugural presidia.

Estavam, assim, criadas todas as condições para que o até então vigente Vicariato adquirisse caráter definitivo, tendo sido erigido em paróquia eclesiástica, neste mesmo dia.

A partir de então, e dado o espírito comunitário já enraizado nas populações pertencentes à Paróquia de Santa Joana Princesa, pensou-se, desde logo, na procura da autonomia administrativa. Com efeito, depois de criada a freguesia religiosa, não fazia qualquer sentido que a barreira administrativa impusesse a separação de populações vizinhas.

O percurso legislativo, iniciado nos finais da década de 70, viria a revelar-se moroso e sofrido, devido, essencialmente, às reformulações políticas em curso, desencadeadas pela recente eclosão do 25 de abril. O então deputado Carlos Candal fora o primeiro a concentrar em si a aspiração do povo, fazendo chegar à Assembleia da República o Projecto de Lei que fundamentava a pretensão popular. Tardava, porém, a apreciação deste documento por parte do Parlamento. Subscritos mais dois Projectos de Lei, sob os números 389/I e 244/II, pelo mesmo deputado, a luz ao fundo do túnel persistia em manter-se apagada.

Não obstante as tentativas fracassadas, o querer da população afirmava-se cada vez mais como um baluarte irredutível. Habituado a ter de lutar com tenacidade pelos seus objetivos, o povo soube transformar as barreiras em ânimo, nunca deixando que elas o derrubassem.

Assim, e porque a perseverança acaba sempre por ser recompensada, em 1983, aquando da eleição de uma nova Assembleia da República, surge novamente a oportunidade de ser reaberto o processo até então adormecido, mas não esquecido. Desta vez, foi Custódio Ramos, deputado e Vereador, que, solicitado por um grupo de moradores da paróquia de Santa Joana, renovou a esperança no coração da população local ao apresentar, na Assembleia da República, o projeto de lei já reformulado.

Desta vez, Santa Joana velava pelo desfecho feliz deste sinuoso percurso. Com efeito, em 30 de novembro de 1984, a Assembleia da República punha fim ao processo legislativo, decretando a criação da freguesia de Santa Joana, por força da Lei nº 63/84, de 31 de Dezembro, para entrar em vigor em 1 de Janeiro de 1985.

Iniciava-se, desta forma, um novo ciclo na vida de toda esta gente que, a partir de então, adquiria um novo elo de união e uma identidade coletiva há tanto tempo procurada. O futuro a elas pertencia. Tudo e nada era quanto existia na novel comunidade de Santa Joana: pobre exteriormente, mas de uma riqueza interior inestimável, traduzida na força, na persistência e no trabalho produtivo que caracterizava aqueles que lhe davam alma.

Estava construído o lar de cada um e de todos, no qual poderiam sonhar e lutar em nome do seu indelével afeto pela terra que eles, orgulhosamente, viam nascer.